domingo, 6 de março de 2016

"Um Exclusivo Nacional" por Vasco Gonçalves

O complexo de inferioridade é um mal comum de que padecem as sociedades. As relações entre portugueses e espanhóis são disso exemplo. Apesar de geograficamente partilharem a mesma península, a mesma fronteira, de se tratarem por “nuestros hermanos”, de terem dado as mãos em momentos importantes da história, como a entrada conjunta no projecto de (des)integração europeia, são por demais evidentes as constantes necessidades de comparação, afirmação, protagonismo entre portugueses e espanhóis, próprias dos países que padecem de complexos de inferioridade em diversas áreas. O mais recente e actual exemplo disso mesmo remetes-nos para o impasse político que resultou do último acto eleitoral em Espanha, fruto daquilo que foi o mais desesperado exemplo português de sobrevivência política e avidez de poder.
Não obstante a tradicional alternância bipartidarista entre PSOE e PP, por analogia aos nossos PS e PSD, o pêndulo eleitoral espanhol fez um novo e irregular movimento, introduzindo duas novas equações partidárias na fórmula da maioria parlamentar. Ambas filhas da indignação popular expressa nas ruas originaram dois novos partidos, um de esquerda radical (Podemos), outro, de centro direita (Ciudadanos), fragmentando, ainda mais o já estilhaçado quadro parlamentar espanhol, quer à esquerda, quer à direita. Com efeito, se o resultado obtido por estas duas novas forças politicas alcançou uma expressão histórica e significativa, a verdade é que ela não foi suficiente para protagonizar uma plena disrupção política, ficando, assim, Espanha a meio caminho entre os velhos e os novos protagonistas políticos.
Ciente do risco eminente de passar à história como mais um daqueles de quem nem o nome lembramos ouvir, e muito menos deixam saudades, Pedro Sánchez, conhecido o resultado eleitoral do qual saiu estrondosamente derrotado, depressa se apressou a deslocar a Lisboa, para um curso intensivo no largo do Rato, com o homólogo e mentor socialista, sobre como transformar derrotas em vitórias. O mesmo é dizer, sobre como não olhar a meios para atingir os seus próprios fins. Tal como Costa o tentou ensinar, Pedro Sánchez tudo fez para cumprir o sonho de ser Primeiro-Ministro a todo e qualquer custo, encontrando, assim, a sua única tábua de salvação política e partidária. Mas Sanchéz foi ainda mais longe do que o mentor Costa, sujeitando-se mesmo ao ridículo de se apresentar na votação de investidura sem Governo e sem um apoio parlamentar sólido e suficiente, alcançando, assim, o vexatório feito de se ter tornado no primeiro líder político espanhol da historia a falhar uma investidura como Primeiro-Ministro.
Mesmo no interior do seu próprio partido Sánchez foi também mais longe do que Costa, submetendo a referendo, um acordo de coligação com outras forças politicas para o que definiu como um governo progressista e reformista, sem, no entanto, pasme-se, ou não, especificar concretamente que forças seriam. Ou seja, segundo Sánchez, o conceito de governo progressista e reformista era transversal a todos os partidos com que o PSOE se pudesse coligar, independentemente da sua natureza e ideologia, desde o Podemos, ao Ciudadanos, passando mesmo pelos partidos nacionalistas e separatistas bascos e catalães. O que interessava era Sánchez sentir-se legitimado pelas bases, para ser o líder de uma qualquer gerigonça (pseudo) progressista e reformista, mesmo que isso fosse sinónimo de separatismos ou independentismos regionalistas. Para além de todo o indecoroso e gratuito espetáculo que tem protagonizado, até agora o máximo que Pedro Sánchez conseguiu foi oferecer ao seu partido o pior resultado da sua história. Ainda assim, parece não se dar por satisfeito e está mesmo disposto a conquistar o trono do olimpo entre os deuses do grau (abaixo de) zero da política, conduzindo o PSOE a uma Pasokização ao estilo espanhol no próximo acto eleitoral a que, humilhante e desavergonhadamente, ainda se sujeitará.
Já o líder do Podemos, Pablo Iglésias, fiel à gratuitidade do seu populismo e da sua demagogia propalada no mesmo tom melodicamente sirénico com que a sua homóloga bloquista encanta os portugueses, não defraudou o seu histriónico público, adoptando o tradicional discurso rebelde e arruaceiro, próprio de quem utiliza a o mesmo tom de linguagem quer seja em manifestações de rua e comícios partidários ou em cerimónias institucionais. Afinal o objectivo de Iglésias há muito que está já bem traçado, concluir a transição entre os velhos e os novos protagonistas políticos espanhóis, que apenas ficou a meio caminho nas últimas eleições. O que no seu espectro de atuação, o da esquerda, significa dar a estocada final na Pasokização, paulatinamente cozinhada em lume brando, de um PSOE desesperadamente sedento e ávido de poder, à imagem deste PS de Costa e de muitos dos partidos socialistas e trabalhistas um pouco por toda a Europa, e que tal como estes, quando confrontados com a dureza da realidade eleitoral, tendem a negá-la, em vez de procurarem atualizar o seu discurso e adaptar a sua mensagem de modo a responderem positivamente aos desafios globais da pós-modernidade.
Mais do que o retrato de uma histórica e vexatória derrota política anunciada, o que fica do debate de uma investidura falhada em Espanha é o de que os partidos já contam espingardas para poderem disputar os votos do eleitorado uns dos outros. E por muito que Sánchez e o PSOE vociferem “queremos formar governo" vão ter que aceitar, literalmente, um “NO” (do) Podemos e conviver com este complexo de inferioridade perante os vitoriosos derrotados lusitanos. Resta saber se todo este indecoroso desfecho foi culpa do mentor que é mau e incompetente, do aprendiz que é pouco manhoso e pouco inteligente, ou, o mais provável, as duas coisas juntas.

É que Costa e a geringonça são mesmo um exclusivo nacional. E quando o original é um exemplar mau de mais para ser verdade, nem sequer há cópia possível, nem mesmo autenticada.
Vasco Gonçalves



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