quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

"Orçamento Sem Tino" por João Pombo

Histórico. O dia.
             E aos vinte e três dias de Fevereiro, foi aprovado o Orçamento do Estado para o corrente ano.
  Pela primeva vez da nossa juvenal democracia, o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda viabilizam um Orçamento do Estado, instrumento simplesmente nevrálgico do programa económico. Todo o contributo progressista destas forças partidárias para a nosso movimento civilizacional, manifestado por este simples facto histórico. O de ser apenas o primeiro.
  António Costa, barão do maquiavelismo político e distinto oportunista na administração do Estado, almejou, e alcançou mais uma vitória meritória para o seu inusitado registo de triunfos políticos.
  Porém, ficar-nos-ia mal e revelaria quanta deselegância da nossa parte ficarmo-nos apenas pelas insinuações idiossincráticas do carácter do primeiro-ministro.
  Em favor da realidade dos factos ou, se preferirmos, em abono da verdade, o primeiro-ministro já nos deu manifestas provas da sua habilidade e destreza. Astuto e manhoso, qual argúcia política. Tenderíamos também para o engenho, não fosse ele o timoneiro e a âncora de uma turvíssima geringonça navegante.
  Detentor dum faro e instinto políticos incomparáveis, António Costa tem de sempre ser visto com cautela. Aqui nos rendemos ao elogio sincero. Tem o “arché”, como os pré-socráticos e pré-“syrizados” gostavam de chamar àquele elemento matricial a partir do qual tudo é desenvolvido.  A aptidão intrínseca de formar o mais inusual acordo político, ou mera combinação pactual, qual harmoniosa concórdia com os mais incomuns “parceiros”. A razão das aspas é justificada, unicamente, pela nossa descrença e desconfiança absolutas nos compartes com que pactua. Quais acordos com Deus e o Diabo. O quão cépticos somos.
  Retomando, e, numa palavra, não confiamos no mérito e conveniência deste Orçamento.
  Mário Centeno ainda não deve conseguir conter a arrepio visceral cada vez que tem o OE pela frente. Bem sabe ele que não é o seu. Foi o possível. O que lhe permitiram elaborar. O leitor recorda-se da figura liberal e vigorosa como nos surgiu Mário Centeno há menos de um ano atrás, enquanto coordenador dos 10 Economistas responsáveis pela feitura do programa económico do Partido Socialista? Já não nos recordamos, admitimos. Fazemos mea-culpa.
  Figura que desceu do estatuto de futuro iluminado e poderoso ministro, à rendida quarta posição da hierarquia governamental. De política em política abandonada; de medida em medida caída por terra; e de opção económica em opção económica, rejeitadas liminarmente em sede de concertação de Geringonça. A verdade é que uns meses volvidos, a política orçamental preconizada é irreconhecível. Assim como o próprio Ministro Sem Tino.
  A descida da TSU ficou na gaveta, o imposto negativo de IRS não chegou sequer ao papel, tampouco o decréscimo do IRC passou nas exigências bolcheviques e trotskistas de PCP e BE.
  Propostas, no nosso entender, muito oportunas e convenientes para a estimulação da economia, criação de emprego e fomento da produção.
  Mas estamos em Portugal. Não nos podemos embasbacar quando é desvelado que compromissos eleitorais são desfeitos; contratos entre eleitores e eleitos rasgados; e promessas feitas são desfeitas. Tudo preso às amarras do mal social da busca desenfreada pelo poder. Que bom é ter um Orçamento em nossas mãos. Que desejável poder decidir as despesas.
  Não condenamos.
  Mas não esqueçamos o logro do propalado fim da austeridade. Esta não se findou. Apenas foi alterada a sua formatação ou conformação actuais. Inclusivamente, surgiu de forma indiscriminada e indistinta sobre milhões de pessoas. Todos os condutores suportarão, inelutavelmente, este ónus todos os dias. O exemplo mais flagrante.
  O Aumento do salário mínimo, a redução do número de horas semanais da função pública e a reposição dos rendimentos perdidos durante o período de ajustamento são opções das quais nunca nos ousaríamos contestar a bondade. Temos real conhecimento de que os trabalhadores portugueses trabalham um número de horas exagerado e, que por esse mesmo trabalho exagerado, recebem manifestamente pouco. E que o salário mínimo é, também ele, um valor demasiadamente baixo.
  Não obstante, desconfiamos dos frutos efectivos destas medidas. Não é a proposta que desdenhamos. São os resultados práticos que tais medidas obterão. Em matéria de emprego, os efeitos podem ser claramente perversos. Bem sabemos que o motor primacial da economia, as empresas (especialmente as exportadoras..?) vivem asfixiadas com os impostos sobre elas incidentes e com os custos de produção.  
  Ora, sobrecarregar as mesmas entidades com a imposição de majorar os seus custos e despesas fixos, oferecendo salários acima da produtividade dos seus trabalhadores, poderá originar uma necessidade basilar e premente de reduzir os referidos custos. Bem sabemos o que isto significa.
  Reiteramos: os salários são baixos e precários. Só um completo e alienado sentido de irresponsabilidade e insensibilidade social nos permitiria escamotear isto. O que criticamos é a viabilidade da medida.
  A mesma bondade não conseguimos descortinar noutras medidas, que têm sido uma autêntica bandeira desfraldada da maioria parlamentar que suporta o governo.
  A redução do imposto indirecto sobre a restauração (tendo os proprietários à prior prometido que tal redução não terá quaisquer reflexos ao nível dos preços para os consumidores), as reversões da privatização da transportadora TAP e das concessões dos transportes são decisões que não conseguimos entender doutra forma, que não a firme teimosia ou a obstinada birra dos partidos à esquerda.
  Exigências fetichistas e incontornáveis da maioria - cumprir as vontades insaciáveis das frentes sindicais e as reclamações apregoadas sobre a CGTP e sobre os transportes, a fim de obter todos os benefícios injustificados para promover a sua fúria grevista, encostar o governo à parede e assim exercer a sua influência pública.
  Mas Mário Centeno já saberia isto. Elaborar um orçamento que não é o seu continua, porém, a ser mais apetecível do que não elaborar qualquer orçamento. Se lhe serve de consolo, este também não é o Orçamento de António Costa. Nem o de Catarina Martins. Tampouco o de Jerónimo.
  Costa vai ziguezagueando entre cedências na Rua da Palma e no Largo do Soeiro e transigências em Bruxelas. As primeiras são as que lhe permitem ser primeiro-ministro e governar [enquanto o Bloco e PCP assim o entenderem]. As segundas representam as absolutamente imperiosas condições para que qualquer governo possa proceder à sua execução orçamental.
  Este também não é, igualmente, o Orçamento de Jerónimo ou de Catarina, pois as suas pretensões para o país vão muitíssimo para além deste estritamente necessário pacto para despojar a direita do poder. Como já por eles foi veiculado, sabemos que estes partidos não apoiam o governo. Apenas o viabilizam. Não confundamos os conceitos.
  Fácil é de perceber o limbo ou a fímbria cubicular em que se encontra o Primeiro Ministro. Apelidaram este OE de manta de retalhos. Designação precisa e idónea. Também aplaudimos a expressão tapete de remendos. Ou até carpete de emendas. Mas honra lhe seja feita. Mais uma vez venceu. E com virtuosismo.
  Lá fora, conseguiu alguma tolerância e até condescendência das instâncias europeias. Algo pelo qual o governo anterior jamais velaria, nem estamos em crer que o conseguisse.
  Cá dentro, conseguiu prorrogar o seu emprego, por agora a prazo, por mais um ano. Merece-o. Fez por isso. Ainda que por meio duma longa e entretecida trama ou maquinação.
  O seu emprego encontra-se aprazado à condição resolutiva da vontade caprichosa da porta-voz propagandística, Catarina Martins. Também será condicionada pela vontade de Passos Coelho. Estamos em crer que sim. Vieira da Silva [Ministro do Trabalho] desdenharia um contrato de trabalho destes.
  Só a história se encarregará de decidir o futuro de António Costa. A sua genialidade política definirá o lugar que ocupará quando, um dia, for visto em retrospectiva.
  Um fenómeno prodigioso, exemplo de escola para os aspirantes aos cargos públicos; ou uma fraude e usurpador sem escrúpulos? O maior deles todos?
  Veremos.

João Pombo 



Sem comentários:

Enviar um comentário