sábado, 6 de fevereiro de 2016

"Vitoriosos Derrotados ou Derrotados Vitoriosos?" por Vasco Gonçalves

Já dizia o reputado filósofo e economista Thomas Sowell que as exigências de orçamentos equilibrados têm mais tendência para produzir contabilidade criativa do que orçamentos genuinamente equilibrados. Ora se a criatividade, sobretudo quando associada a inovação, é um dos domínios mais valorizados neste novo mandato das instituições europeias, Bruxelas sabe igualmente de antemão, tal como Sowell, que a sua aplicação no domínio orçamental dificilmente trará bons resultados e, nesse sentido, não poderá ser valorizada. Com efeito, Bruxelas sabe também que é sempre preferível ter um orçamento criativo (entenda-se mau) do que não ter orçamento nenhum. Além do mais, tratando-se do primeiro orçamento da nova geringonça governativa lusitana e, sobretudo, de um orçamento que já deveria estar em vigor há mais de um mês, não seria muito difícil adivinhar que Bruxelas tudo faria para não partir a corda, tentando apenas estica-la até onde a lusitana geringonça deixasse. Afinal para triste e indecoroso espetáculo já nos chegaram e sobraram Tsipras e Varoufakis. Bem dito, bem feito.
António Costa, como ardil negociador nato que a fama lhe atribui, também o sabia, tal como sabia, com a mesma raposice que, após a derrota (vitoriosa) de 4 de Outubro, que a coligação PAF não dispunha de maioria parlamentar, que Cavaco não poderia convocar novas eleições e que o país não tinha ainda aprovado um orçamento para 2016. E foi assim que, tal como agora, uma tripla (in)feliz e (in)conveniente conjugação de factores, insignemente explorada, o leva novamente a poder clamar vitória quando todos já preparavam as suas exéquias orçamentais e apontavam, uma vez mais, o caminho da derrota como (mais do que) certo. Todavia, se Costa, ressuscitando um orçamento tido como um nado-morto, soube, uma vez mais insignemente, aproveitar a sabedoria de que em Bruxelas tudo se negoceia constantemente, ou não fosse a Construção Europeia, ela própria, um processo em permanente negociação e evolução, deverá saber também, ou não, que a fórmula da quadratura do círculo não é eterna, e que Portugal não dispõe, de momento, de margem de manobra política suficiente, nem na Comissão nem no Conselho, para manter o braço-de-ferro. Pelo menos enquanto não se conseguir formar uma sólida aliança de Estados-Membros que se unam e ajudem a aprofundar e refundar, não apenas os pressupostos da integração económica, como sobretudo os pilares da integração política europeia. Assim como a Europa, tal como a conhecemos com os seus defeitos e virtudes, não se fez de uma só vez, também não se refundará de uma assentada de hoje para amanhã, apenas e só porque surgiu no horizonte uma latina geringonça anti-austeridade.
Já dizia Molière que não somos responsáveis apenas pelo que fazemos, mas também pelo que deixamos de fazer. E quando se rejeita, e bem, a tese da TINA, renunciando à austeridade cega do empobrecimento colectivo, assente no corte definitivo dos rendimentos e num brutal e irracional aumento de impostos, a favor de um estimulo ao consumo e de uma austeridade mais sensível e compreensiva assente igualmente num aumento da carga fiscal, mas de forma racional e socialmente mais justa, demonstra-se que, de facto, com vontade política, há e haverá sempre alternativas. Todavia, fica igualmente comprovado que tanto uma como outra só podem ser a solução possível para quem, neste caso, jogando a sobrevivência não só da miscigenada geringonça, mas sobretudo dos seus fortes e sindicáveis interesses pessoais e corporativos que débil e desesperadamente a sustentam, se recusou e recusa, a todo e qualquer custo, a incluir, seja em que domínio for, a palavra reforma no léxico governativo. E essa (ir)responsabilidade, por muito que se disfarce, não pode ser sonegada. Resta saber qual o preço a pagar pela sua omissa assumpção e que a história dos últimos anos, mais cedo ou mais tarde, cruel e impiedosamente, nos virá cobrar.

Por ora, apesar do efectivo sucesso, ou não, deste orçamento só o porvir o poder vir dizer, em função daquilo que for a evolução dos principais indicadores económicos, vitória é a palavra de ordem que convictamente e efusivamente vociferam os “geringonços”. É tempo de folia. É carnaval, ninguém (para já) leva a mal. Quanto a nós resta-nos esperar que máscara não caia e que a cantada vitória orçamental sobre Bruxelas e sobre os abutres agoirentos da finança e do capital estrangeiro, no final não venha a seguir a mesma lógica eleitoral a que a geringonça e os seus fieis discípulos já nos habituaram, virando-se o feitiço contra o(s) feiticeiro(s). É que para quem hábil, desesperada e convenientemente transforma derrotas em vitórias, seguramente que não se importa, absolutamente nada, que todos os antecipados e erróneos derrotados de hoje se unam e venham, legitimamente por eventual força da razão e da realidade dos factos, a clamar a vitória final.

Vasco Gonçalves




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