Já dizia o reputado
filósofo e economista Thomas Sowell que as exigências de orçamentos
equilibrados têm mais tendência para produzir contabilidade criativa do que
orçamentos genuinamente equilibrados. Ora se a criatividade, sobretudo quando
associada a inovação, é um dos domínios mais valorizados neste novo mandato das
instituições europeias, Bruxelas sabe igualmente de antemão, tal como Sowell,
que a sua aplicação no domínio orçamental dificilmente trará bons resultados e,
nesse sentido, não poderá ser valorizada. Com efeito, Bruxelas sabe também que
é sempre preferível ter um orçamento criativo (entenda-se mau) do que não ter
orçamento nenhum. Além do mais, tratando-se do primeiro orçamento da nova
geringonça governativa lusitana e, sobretudo, de um orçamento que já deveria
estar em vigor há mais de um mês, não seria muito difícil adivinhar que
Bruxelas tudo faria para não partir a corda, tentando apenas estica-la até onde
a lusitana geringonça deixasse. Afinal para triste e indecoroso espetáculo já
nos chegaram e sobraram Tsipras e Varoufakis. Bem dito, bem feito.
António Costa, como
ardil negociador nato que a fama lhe atribui, também o sabia, tal como sabia,
com a mesma raposice que, após a derrota (vitoriosa) de 4 de Outubro, que a
coligação PAF não dispunha de maioria parlamentar, que Cavaco não poderia
convocar novas eleições e que o país não tinha ainda aprovado um orçamento para
2016. E foi assim que, tal como agora, uma tripla (in)feliz e (in)conveniente
conjugação de factores, insignemente explorada, o leva novamente a poder clamar
vitória quando todos já preparavam as suas exéquias orçamentais e apontavam,
uma vez mais, o caminho da derrota como (mais do que) certo. Todavia, se Costa,
ressuscitando um orçamento tido como um nado-morto, soube, uma vez mais
insignemente, aproveitar a sabedoria de que em Bruxelas tudo se negoceia
constantemente, ou não fosse a Construção Europeia, ela própria, um processo em
permanente negociação e evolução, deverá saber também, ou não, que a fórmula da
quadratura do círculo não é eterna, e que Portugal não dispõe, de momento, de
margem de manobra política suficiente, nem na Comissão nem no Conselho, para
manter o braço-de-ferro. Pelo menos enquanto não se conseguir formar uma sólida
aliança de Estados-Membros que se unam e ajudem a aprofundar e refundar, não
apenas os pressupostos da integração económica, como sobretudo os pilares da
integração política europeia. Assim como a Europa, tal como a conhecemos com os
seus defeitos e virtudes, não se fez de uma só vez, também não se refundará de
uma assentada de hoje para amanhã, apenas e só porque surgiu no horizonte uma
latina geringonça anti-austeridade.
Já dizia Molière que
não somos responsáveis apenas pelo que fazemos, mas também pelo que deixamos de
fazer. E quando se rejeita, e bem, a tese da TINA, renunciando à austeridade
cega do empobrecimento colectivo, assente no corte definitivo dos rendimentos e
num brutal e irracional aumento de impostos, a favor de um estimulo ao consumo
e de uma austeridade mais sensível e compreensiva assente igualmente num
aumento da carga fiscal, mas de forma racional e socialmente mais justa,
demonstra-se que, de facto, com vontade política, há e haverá sempre
alternativas. Todavia, fica igualmente comprovado que tanto uma como outra só
podem ser a solução possível para quem, neste caso, jogando a sobrevivência não
só da miscigenada geringonça, mas sobretudo dos seus fortes e sindicáveis
interesses pessoais e corporativos que débil e desesperadamente a sustentam, se
recusou e recusa, a todo e qualquer custo, a incluir, seja em que domínio for,
a palavra reforma no léxico governativo. E essa (ir)responsabilidade, por muito
que se disfarce, não pode ser sonegada. Resta saber qual o preço a pagar pela
sua omissa assumpção e que a história dos últimos anos, mais cedo ou mais
tarde, cruel e impiedosamente, nos virá cobrar.
Por ora, apesar do
efectivo sucesso, ou não, deste orçamento só o porvir o poder vir dizer, em
função daquilo que for a evolução dos principais indicadores económicos,
vitória é a palavra de ordem que convictamente e efusivamente vociferam os
“geringonços”. É tempo de folia. É carnaval, ninguém (para já) leva a mal.
Quanto a nós resta-nos esperar que máscara não caia e que a cantada vitória
orçamental sobre Bruxelas e sobre os abutres agoirentos da finança e do capital
estrangeiro, no final não venha a seguir a mesma lógica eleitoral a que a
geringonça e os seus fieis discípulos já nos habituaram, virando-se o feitiço
contra o(s) feiticeiro(s). É que para quem hábil, desesperada e
convenientemente transforma derrotas em vitórias, seguramente que não se
importa, absolutamente nada, que todos os antecipados e erróneos derrotados de
hoje se unam e venham, legitimamente por eventual força da razão e da realidade
dos factos, a clamar a vitória final.
Vasco Gonçalves
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