domingo, 3 de abril de 2016

"Social-Democracia, Sempre ou quando Convém?" por Vasco Gonçalves

Meio ano após as eleições legislativas, cuja previsibilidade do resultado se traduziu numa inesperada e imprevisível geringonça governativa, aqueles que, saídos vencedores do acto eleitoral, esperavam estar hoje no exercício do poder governativo, vêem-se hoje, por força do funcionamento da democracia, confrontados com a necessidade de se afirmarem politicamente enquanto oposição social-democrata. As opções que se fazem têm naturalmente consequências e, por isso, Passos Coelho tem pela frente, a partir deste congresso do PSD, porventura o maior desafio político da sua carreira, enquanto líder de um partido que tarda em mudar o chip do saudosismo do passado para a realidade presente e para a visão prospectiva do futuro. Além do mais, acresce o facto de Passos Coelho ter hoje como improveis adversários a dupla do Sr. Feliz e do Sr. Contente, entenda-se Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa. O período de aceitação e adaptação a esta nova geringonça, cujo processo foi deveras moroso, crispado e indigesto, já devia ter os dias contados e terá, por força das circunstancias, que ficar definitivamente encerrado neste congresso. Tal como afirmou o insuspeito Eurodeputado do PSD, Paulo Rangel, “o partido já teve tempo de se adaptar e devíamos já estar numa postura mais interventiva e agressiva, uma oposição mais forte em vários domínios”. Com efeito, para que essa nova postura do PSD seja efectivamente uma realidade, não basta adotar o óbvio, ou seja, a social-democracia como alfa e ómega discursivo e programático. É preciso assumir, não só o pensamento, como sobretudo a ação política a ele correspondentes. Algo que Passos Coelho, relativamente à social-democracia, tarda em demonstrar desde que assumiu a liderança do PSD há já 6 anos. Tendo em conta o que dizem na oposição e o que (não) fazem quando são governo, não admira que os políticos e os partidos vivam permanentemente rotulados ao lema do “olhem para o que eu digo, mas não olhem para o que eu faço”. Precisamos de políticos que assumam o bem-estar social como prioridade não apenas do seu pensamento mas sobretudo da sua acção, onde as pessoas valham como isso mesmo, pessoas, e não como números ou células de Excel, onde as pessoas sejam o a prioridade das politicas económica, afinal são elas os agentes económicos primários, pois sem elas não havia empresas. Em bom rigor, com o PS de mãos dadas com a esquerda radical, alargou-se ainda mais o espaço para os sociais-democratas ocuparem privilegiadamente o espectro político que tradicionalmente disputavam com os socialistas, mas que o PS de Costa há muito desdenhou e do qual se afastou, o espetro político entre o marxismo e o liberalismo. Com efeito, se o querem ocupar, os sociais-democratas não podem partir do pressuposto de que, bastando o PS afastar-se desse espectro político, o eleitorado que o compõe automática e naturalmente virá ao encontro do PSD sem ser preciso grandes esforços ou iniciativas. Nada mais errado. Sobretudo quando o PSD tem ele próprio adotado uma postura radical, de recusa e negação total e absoluta a tudo o que venha da parte da geringonça, mesmo em matérias fundamentais para a governação do país, ao estilo do que nos habituaram o BE e o PCP. O PSD não pode, também, limitar-se a correr atrás da iniciativa alheia nem a andar a reboque das críticas e das desconfianças de Bruxelas, dos mercados e das agências de rating. Passos Coelho terá, assim, de ser capaz de afirmar o PSD como muito mais do que o partido que apenas chega ao poder em circunstâncias especiais e difíceis, não tanto por mérito próprio, mas mais por demérito dos adversários. Ficar de braços cruzados à espera que os outros falhem, neste caso que geringonça caia, para, uma vez mais, o poder lhe cair no colo não é próprio de um partido responsável, que se diz vanguardista e se assume como social democrata. Além do mais a lógica do voto útil já deixou de ser isso mesmo, lógica, e o CDS, percebendo isso primeiro que o PSD, já se fez de novo à estrada com novos quadros, uma nova liderança e com uma nova estratégia política que o colocam, enquanto oposição, numa posição bem mais favorável do que o PSD. O slogan "social-democracia, sempre" dificilmente passará de um conveniente e oportuno chavão político, em jeito de soundbite, para tentar passar uma ideia que no fundo, com a atual liderança do PSD, tem estado a anos luz do seu significado, e que apenas visa reconquistar a atenção de um eleitorado de quem o PSD de Passos Coelho também há muito progressivamente se afastou, mas que ao longo dos anos tem constituído uma parte significativa da sua base social de apoio, e que é indispensável para alcançar a desejada maioria absoluta. Mas final poderá um líder partidário, em menos de meio ano, vestir uma roupagem ideológica que, não raras vezes, destoa daquilo que pôs em prática nos últimos 4 anos e meio e que já defendia, mesmo antes de ser Primeiro-Ministro? O próprio Passos Coelho fez questão de sublinhar no discurso de abertura do congresso que não mudaria o seu estilo nem a sua linha de orientação. Além do mais, só adopta como slogan “social democracia, sempre” quem de facto sente que, pela sua ação política, não é natural e intrinsecamente identificado com ela. É que ser sempre social democrata é à partida e por natureza, o slogan intrínseco de todo qualquer militante do PSD. Por analogia, Jerónimo de Sousa jamais precisará de adoptar como slogan “Comunismo, sempre” pelo facto de ninguém duvidar que o comunismo é, e será sempre, a matriz ideológica que está na génese das politicas e proposta do PCP, não havendo, assim, necessidade nenhuma de o dizer. Ainda assim, esta ideia de resgatar a social-democracia, segundo Passos Coelho, não é nova. Já o programa político do PSD no último biénio (já depois da saída da Troika), em tese, tinha como premissas base a aposta e reforço da social-democracia portuguesa. O problema é que depois quando se está no exercício do poder é que se revela e se põe à prova a verdadeira (ou falsa) natureza identitária social democrata. Em suma, não é suspirando pelo que já lá vai, nem vivendo eternamente agarrado a um passado político que ninguém quer que se projecte no futuro, que se presta um bom serviço a Portugal e aos portugueses. Quem hoje tem ou quer ter responsabilidades políticas, seja no governo ou na oposição, não pode adoptar como estratégia política o discurso da negação da estratégia governativa só porque dela discorda. Tem de dizer ao vem, pelo que vem, e como vem. Nesse sentido, e atendendo a que este congresso se realizou em pleno período pascal, espera-se, a bem da democracia portuguesa, que o PSD, abandonando, de vez, o luto e as mágoas que até agora ainda não parou de carpir, ressuscite para a vida política, à luz da nobreza que é servir o país tanto no governo como na oposição. Se é Passos Coelho o Messias prometido da social-democracia, capaz de tamanho dom da ressurreição ideológica, é o que veremos de ora em diante. Porque, para já, o melhor que tem sido capaz é de ser um líder incontestado, a encarnar um lamurioso papel de Maria Madalena.

Vasco Gonçalves


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