domingo, 15 de maio de 2016

"6 Meses de Geringonça" por Vasco Gonçalves

“Sim, Sim, é geringonça mas funciona!” Foi com um sorriso de orelha a orelha que António Costa respondeu, assim, a Assunção Cristas num recente debate parlamentar. Na verdade Costa nada se importa com o facto do seu governo se chamar geringonça, assim como também nada se importa esta vá funcionando, pelo contrario, pelo menos por agora. Mas lá chegará o momento em que lhe será mais conveniente que não funcione, por sua exclusiva e oportuna conveniência política. O cimento que une a geringonça é apenas e só o objectivo de impedir a todo o custo que a direita chegue de novo ao poder. É por isso que é uma coligação pela negativa, porque o que a une, além da maioria dos temas fraturantes da sociedade, é sobretudo o facto de não querem, de modo nenhum, e impedirem,a todo o custo, que a direita assuma o poder. Porque sobre o projecto de futuro para o pais, sobre a posição de Portugal na Europa e no Mundo, sobre a concepção do modelo sócio-económico e sobre as reformas estruturais que são precisas levar a cabo, as visões dos de PS e das suas duas muletas governativas são, como sempre foram, diametralmente opostas. O PCP não mudou, nem nunca mudará nada, apenas refinou, e muito, a sua forma de atuar, mantém-se fiel aos seus princípios fundadores do comunismo e do marxismoleninismo. Como é sabido a grande força e razão de ser do PCP está no movimento sindical. Com o anterior governo PSD/CDS estava em curso a privatização não só da TAP como dos transportes urbanos de Lisboa e Porto, o que a confirmar-se seria a maior e mais poderosa machadada nessa capacidade do PCP conferir expressão politica ao movimento sindical - de cuja substância os sindicatos dos transportes são uma peça fundamental . Por isso é que o PCP e aproveitando a alteração da correlação de forças parlamentares resultante das últimas eleições, tinham como objectivo único e absolutamente prioritário a inviabilização daquele processo de privatização a todo o custo, como forma de salvaguardar a sua grande base de apoio e consequentemente a sua própria sobrevivência enquanto partido com expressão politica. O que só seria possível evitando a todo o custo um novo governo PSD/CDS. Acrescente-se a isto, a desesperada necessidade de sobrevivência política do “náufrago” António Costa depois de uma tempestuosa derrota eleitoral nada poucochinha, e ainda a oportunidade única que o BE viu para capitalizar da melhor forma o seu crescendo eleitoral, dando um ar de partido responsável, e sobretudo de podendo aceder, pela primeira vez e de forma privilegiada, aos recursos do Estado, e assim se explica e compreende a inédita e miscigenada geringonça. Mas Quando olhamos para as medidas tomadas nestes 6 meses, facilmente percebemos que a geringonça é absolutamente consensual a conjugar os verbos reverter e revogar, relativamente a tudo o que foi feito pelo anterior governo, e ainda a entender-se nos temas fraturantes da sociedade (e que também lhes permitem demarcar-se, ainda mais, da direita). Mas não passará disto. Pois estes são os únicos grandes pontos onde efetivamente convergem. Já quando se trata de conjugar os verbos reformar e realizar será muito difícil, para não dizer impossível, obter o apoio de BE e PCP, ficando assim uma vez mais por fazer o que há muito precisa de ser reformado e realizado. Vejamos, quando olhamos para o badalado Programa Nacional de Reformas (PNR), é evidente um reforço na aposta na inovação e modernização do estado, na capitalização das empresas, na aposta nas qualificações e na coesão social e territorial. Medidas inquestionavelmente positivas e que mostram que, de facto, renunciando à austeridade cega do empobrecimento colectivo, assente no corte definitivo dos rendimentos e num brutal e irracional aumento de impostos, há e haverá sempre alternativa, desde que para isso haja vontade politica. E o no caso português isso tem ficado provado com o governo PS. Com efeito, sobre as grandes reformas estruturais que respondem aos desafios da nossa sociedade o PNR não diz absolutamente nada. Sobre a sustentabilidade da segurança social nem uma palavra. Sobre a reforma do sistema eleitoral nenhuma frase. Sobre politicas de natalidade e migrações nem uma linha. Sobre o financiamento do SNS, sobre medidas de reformulação das carreiras e modelos laborais, nem sequer uma virgula. Não diz não porque o PS não quisesse, mas Porque o Bloco, e sobretudo o PCP não querem nem deixam, como aliás o travão a algumas destas reformas, nomeadamente do sistema eleitoral, ficou bem explicito nas posições conjuntas assinadas entre os três partidos para a viabilização da geringonça. Isto porque o PCP cumpre (como cumprirá sempre) fielmente os mandamentos da sua doutrina fundadora, afinal como afirmou Lenine num dos documentos fundacionais do Comunismo “Não devemos, em nenhuma circunstância ou de qualquer modo, dar azo a que se creia (ou se mal-entenda) que atribuímos grande valor a reformas económicas estruturais ou que as consideramos particularmente importantes." O PS está, portanto, completamente refém destas duas muletas que não só vão conseguido levar a bom porto a como são eles que ditam e/ou condicionam a agenda politica governativa. E mesmo esta controversa questão dos contratos de associação convém referir que o PS não tem nem uma linha no seu programa de governo sobre o assunto. Ou seja foi uma “imposição” do PCP e do BE mas que é o PS que agora tem de dar a cara e justificar-se e desgastar-se politicamente com toda esta polémica. E esta vai sendo também a estratégia dos geringonços parceiros. O PCP e BE vão conseguindo que o que o PS implemente as suas ideias e tiram louros disso, mas depois só o PS é que dá o corpo ás balas quando as coisas correm mal ou geram polémica – a prova de que este casamento à esquerda é um casamento com comunhão de bens e separação de males. Quanto ao Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), apresentado pelo Governo em Bruxelas, há uma coisa que é preciso ter em atenção. Acaba por manter para 2017 a mesma previsão de crescimento económico de 2016 (1,8%) mas depois as previsões do défice são bastante melhores (1,4% o que implica um ajustamento de 1.400M €) isto quando se prevê que o crescimento económico estagne nos 1,8%. Portanto de facto ainda esta por perceber onde vamos efectiva e concretamente cortar para cumprir com as previsões do défice inscritas no PEC. Em suma, quando analisamos com cuidado estas previsões do PEC, bem como PNR, que são os dois grandes documentos que definem o futuro do país, cada vez restam menos dúvidas que a geringonça não vai durar os 4 anos, nem pouco mais ou menos. Assim como não tenho muitas duvidas de que o próprio António Costa também sabe disso. E não duvidemos quando dele quando diz que não há nem vai haver planos B, C, ou D. Porque Costa sabe que se avançasse com um plano B estaria não só a dar razão a PSD e CDS como significaria inevitavelmente o chumbo por parte das muletas que o sustentam que depois viriam acusar o PS de lhes ter escondido as medidas adicionais e que afinal o Costa andou a enganar os portugueses. Por isso Costa, fazendo-se valer, uma vez mais da sua inigualável manha e habilidade politicas não cometerá o mesmo erro de Sócrates, e acredito que se antecipará, antes sequer de considerar submeter a votação parlamentar qualquer plano B ou Orçamento de Estado que saiba que terá o chumbo de algum dos seus geringonços parceiros. Ou seja, tenho para mim que Costa baterá, assim, com a porta por antecipação e apanhando, com alguma surpresa, os seus parceiros e procurará fazê-lo sob um pretexto que ele, melhor que ninguém, conseguirá criar, num momento mais conveniente que só ele saberá escolher, e aproveitando também o momento de sondagens mais favoráveis e de mais algumas medidas que devolvam rendimentos às pessoas ou aliviem a sua carga fiscal ainda que indirectamente. E depois a estratégia já todos a conhecemos, fazer-se de vítima à esquerda, relativamente a BE e PCP, e invocando, à direita, o regresso dos fantasmas da austeridade, do empobrecimento colectivo, da imigração e da tese “Não há alternativa” protagonizados por PSD e CDS. E, assim, com este discurso submeter-se-á a novas eleições com a convicção de que assim as ganhará, e que delas sairá maioritariamente reforçado sem precisar da ajuda nenhuma muleta para governar. Cá estaremos para ver quem dará para esse peditório. Pessoalmente tenho sérias dúvidas que os Portugueses o façam. Por um lado, porque sabem que os meios não justificam os fins, ainda para mais quando são fins pessoais e de sobrevivência politica. Por outro, porque sabem que o preço do bilhete desta segunda temporada do “Era uma vez…” será bem mais caro. E, sobretudo porque já viram a primeira temporada em 2011 e todos sabemos qual foi o (trágico) final.

Vasco Gonçalves
Cronista habitual do Lápis da verdade


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