quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

"Orçamento Sem Tino" por João Pombo

Histórico. O dia.
             E aos vinte e três dias de Fevereiro, foi aprovado o Orçamento do Estado para o corrente ano.
  Pela primeva vez da nossa juvenal democracia, o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda viabilizam um Orçamento do Estado, instrumento simplesmente nevrálgico do programa económico. Todo o contributo progressista destas forças partidárias para a nosso movimento civilizacional, manifestado por este simples facto histórico. O de ser apenas o primeiro.
  António Costa, barão do maquiavelismo político e distinto oportunista na administração do Estado, almejou, e alcançou mais uma vitória meritória para o seu inusitado registo de triunfos políticos.
  Porém, ficar-nos-ia mal e revelaria quanta deselegância da nossa parte ficarmo-nos apenas pelas insinuações idiossincráticas do carácter do primeiro-ministro.
  Em favor da realidade dos factos ou, se preferirmos, em abono da verdade, o primeiro-ministro já nos deu manifestas provas da sua habilidade e destreza. Astuto e manhoso, qual argúcia política. Tenderíamos também para o engenho, não fosse ele o timoneiro e a âncora de uma turvíssima geringonça navegante.
  Detentor dum faro e instinto políticos incomparáveis, António Costa tem de sempre ser visto com cautela. Aqui nos rendemos ao elogio sincero. Tem o “arché”, como os pré-socráticos e pré-“syrizados” gostavam de chamar àquele elemento matricial a partir do qual tudo é desenvolvido.  A aptidão intrínseca de formar o mais inusual acordo político, ou mera combinação pactual, qual harmoniosa concórdia com os mais incomuns “parceiros”. A razão das aspas é justificada, unicamente, pela nossa descrença e desconfiança absolutas nos compartes com que pactua. Quais acordos com Deus e o Diabo. O quão cépticos somos.
  Retomando, e, numa palavra, não confiamos no mérito e conveniência deste Orçamento.
  Mário Centeno ainda não deve conseguir conter a arrepio visceral cada vez que tem o OE pela frente. Bem sabe ele que não é o seu. Foi o possível. O que lhe permitiram elaborar. O leitor recorda-se da figura liberal e vigorosa como nos surgiu Mário Centeno há menos de um ano atrás, enquanto coordenador dos 10 Economistas responsáveis pela feitura do programa económico do Partido Socialista? Já não nos recordamos, admitimos. Fazemos mea-culpa.
  Figura que desceu do estatuto de futuro iluminado e poderoso ministro, à rendida quarta posição da hierarquia governamental. De política em política abandonada; de medida em medida caída por terra; e de opção económica em opção económica, rejeitadas liminarmente em sede de concertação de Geringonça. A verdade é que uns meses volvidos, a política orçamental preconizada é irreconhecível. Assim como o próprio Ministro Sem Tino.
  A descida da TSU ficou na gaveta, o imposto negativo de IRS não chegou sequer ao papel, tampouco o decréscimo do IRC passou nas exigências bolcheviques e trotskistas de PCP e BE.
  Propostas, no nosso entender, muito oportunas e convenientes para a estimulação da economia, criação de emprego e fomento da produção.
  Mas estamos em Portugal. Não nos podemos embasbacar quando é desvelado que compromissos eleitorais são desfeitos; contratos entre eleitores e eleitos rasgados; e promessas feitas são desfeitas. Tudo preso às amarras do mal social da busca desenfreada pelo poder. Que bom é ter um Orçamento em nossas mãos. Que desejável poder decidir as despesas.
  Não condenamos.
  Mas não esqueçamos o logro do propalado fim da austeridade. Esta não se findou. Apenas foi alterada a sua formatação ou conformação actuais. Inclusivamente, surgiu de forma indiscriminada e indistinta sobre milhões de pessoas. Todos os condutores suportarão, inelutavelmente, este ónus todos os dias. O exemplo mais flagrante.
  O Aumento do salário mínimo, a redução do número de horas semanais da função pública e a reposição dos rendimentos perdidos durante o período de ajustamento são opções das quais nunca nos ousaríamos contestar a bondade. Temos real conhecimento de que os trabalhadores portugueses trabalham um número de horas exagerado e, que por esse mesmo trabalho exagerado, recebem manifestamente pouco. E que o salário mínimo é, também ele, um valor demasiadamente baixo.
  Não obstante, desconfiamos dos frutos efectivos destas medidas. Não é a proposta que desdenhamos. São os resultados práticos que tais medidas obterão. Em matéria de emprego, os efeitos podem ser claramente perversos. Bem sabemos que o motor primacial da economia, as empresas (especialmente as exportadoras..?) vivem asfixiadas com os impostos sobre elas incidentes e com os custos de produção.  
  Ora, sobrecarregar as mesmas entidades com a imposição de majorar os seus custos e despesas fixos, oferecendo salários acima da produtividade dos seus trabalhadores, poderá originar uma necessidade basilar e premente de reduzir os referidos custos. Bem sabemos o que isto significa.
  Reiteramos: os salários são baixos e precários. Só um completo e alienado sentido de irresponsabilidade e insensibilidade social nos permitiria escamotear isto. O que criticamos é a viabilidade da medida.
  A mesma bondade não conseguimos descortinar noutras medidas, que têm sido uma autêntica bandeira desfraldada da maioria parlamentar que suporta o governo.
  A redução do imposto indirecto sobre a restauração (tendo os proprietários à prior prometido que tal redução não terá quaisquer reflexos ao nível dos preços para os consumidores), as reversões da privatização da transportadora TAP e das concessões dos transportes são decisões que não conseguimos entender doutra forma, que não a firme teimosia ou a obstinada birra dos partidos à esquerda.
  Exigências fetichistas e incontornáveis da maioria - cumprir as vontades insaciáveis das frentes sindicais e as reclamações apregoadas sobre a CGTP e sobre os transportes, a fim de obter todos os benefícios injustificados para promover a sua fúria grevista, encostar o governo à parede e assim exercer a sua influência pública.
  Mas Mário Centeno já saberia isto. Elaborar um orçamento que não é o seu continua, porém, a ser mais apetecível do que não elaborar qualquer orçamento. Se lhe serve de consolo, este também não é o Orçamento de António Costa. Nem o de Catarina Martins. Tampouco o de Jerónimo.
  Costa vai ziguezagueando entre cedências na Rua da Palma e no Largo do Soeiro e transigências em Bruxelas. As primeiras são as que lhe permitem ser primeiro-ministro e governar [enquanto o Bloco e PCP assim o entenderem]. As segundas representam as absolutamente imperiosas condições para que qualquer governo possa proceder à sua execução orçamental.
  Este também não é, igualmente, o Orçamento de Jerónimo ou de Catarina, pois as suas pretensões para o país vão muitíssimo para além deste estritamente necessário pacto para despojar a direita do poder. Como já por eles foi veiculado, sabemos que estes partidos não apoiam o governo. Apenas o viabilizam. Não confundamos os conceitos.
  Fácil é de perceber o limbo ou a fímbria cubicular em que se encontra o Primeiro Ministro. Apelidaram este OE de manta de retalhos. Designação precisa e idónea. Também aplaudimos a expressão tapete de remendos. Ou até carpete de emendas. Mas honra lhe seja feita. Mais uma vez venceu. E com virtuosismo.
  Lá fora, conseguiu alguma tolerância e até condescendência das instâncias europeias. Algo pelo qual o governo anterior jamais velaria, nem estamos em crer que o conseguisse.
  Cá dentro, conseguiu prorrogar o seu emprego, por agora a prazo, por mais um ano. Merece-o. Fez por isso. Ainda que por meio duma longa e entretecida trama ou maquinação.
  O seu emprego encontra-se aprazado à condição resolutiva da vontade caprichosa da porta-voz propagandística, Catarina Martins. Também será condicionada pela vontade de Passos Coelho. Estamos em crer que sim. Vieira da Silva [Ministro do Trabalho] desdenharia um contrato de trabalho destes.
  Só a história se encarregará de decidir o futuro de António Costa. A sua genialidade política definirá o lugar que ocupará quando, um dia, for visto em retrospectiva.
  Um fenómeno prodigioso, exemplo de escola para os aspirantes aos cargos públicos; ou uma fraude e usurpador sem escrúpulos? O maior deles todos?
  Veremos.

João Pombo 



domingo, 21 de fevereiro de 2016

"Alienar o Inalienável" por Vasco Gonçalves

 “Nós estamos com a Europa, mas não estamos nela. Estamos ligados, mas não comprometidos. Estamos interessados e associados, mas não absorvidos”. Foi com a sua natural refulgência que Winston Churchill esclareceu, deste modo, a posição Britânica relativamente à ideia de uma Europa Federal que Aristide Briand apresentara em 1929 na Sociedade das Nações. Quase nove décadas volvidas a coerência do discurso Britânico relativamente à Europa mantém-se praticamente intacta. A Única premissa que se alterou, apenas invertendo a sua ordem, foi de facto a primeira. É que se hoje o Reino Unido (ainda) está na Europa não está, de todo, com a Europa.
 Convém não esquecer que o Reino Unido foi, porventura, o grande impulsionador da génese da atual construção europeia, ou não tivesse o discurso de Churchill à juventude académica, proferido em 1946 na Universidade de Zurique sido o precursor da ideia de uma Europa unida, sem guerras, livre de armas e de fronteiras, que apelidou de “Estados Unidos da Europa”, que se veio efectivamente a concretizar, ainda que com as devidas diferenças face à realidade americana, sob a designação do que hoje conhecemos por União Europeia (UE). No entanto, apesar de ter dado o impulso fundacional o Reino Unido, fiel à coerência do seu discurso,só veio a integrar o projecto Europeu 16 anos após a sua criação, ou seja, quando já havia garantias de que era um projecto sólido e do qual poderia tirar proveito. Até lá preferiu apenas manter o estatuto de observador, apoiando e vigiando de perto os seus desenvolvimentos, sem, no entanto, se comprometer verdadeiramente.
 À semelhança das muletas bolcheviques relativamente à geringonça nacional, este distanciamento de proximidade tem sido sempre a estratégia britânica relativamente à integração europeia, sempre com um pé dentro e outro fora. Revela interesse, apoia e associa-se às iniciativas, mas nunca se compromete com o que é verdadeiramente fundamental, preferindo, nesse aspecto, permanecer sempre do lado de fora. Afinal, se a coisa correr mal, os britânicos facilmente daí lavam as mãos como Pilatos e seguem o seu caminho como se nada fosse e sem que ninguém os possa acusar do que seja. Mas se a coisa até correr bem podem sempre chegar-se à frente e, fazendo-se valer do seu incondicional e indispensável apoio, tirar os louros que mais e melhor lhe convenham. É caso para dizer que a vinculo britânico com a Europa facilmente se pode apelidar de uma relação matrimonial bastante conveniente, o mesmo é dizer perante um casamento com comunhão de bens, mas como inequívoca separação de males.
Tal como no início da década de 70, o Reino Unido apresentou agora novamente as suas exigências. Na altura queriam que a então Comunidade Económica Europeia cedesse para eles poderem entrar, desta vez quiseram que a UE ceda para eles não saírem. Com uma grande diferença. No passado as suas exigências iam no sentido de salvaguardar a sua posição sem, no entanto, obstaculizar o aprofundamento da cooperação e da integração europeia. Hoje as suas exigências, além de reforçarem o seu estatuto já demasiado especial e de visarem exclusivamente a satisfação dos seus populismos eleitoralistas, dos egos nacionalistas, e dos seus interesses corporativos, põe em causa a própria identidade da construção europeia, nomeadamente nos seus objectivos fundamentais, de entre os quais se destaca o Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça, enquanto espaço que garante a livre circulação de pessoas e oferece um nível elevado de protecção a todos cidadãos. Basta para isso olharmos para o que consagra o Tratado de Lisboa (TL), que rege toda a natureza, actuação e o funcionamento da UE, e que no seu art. 3º, terceiro paragrafo refere ipsis verbis que“A União proporciona aos seus cidadãos um espaço de liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas, em que seja assegurada a livre circulação de pessoas (…) A União combate a exclusão social e as discriminações e promove a justiça e a protecção sociais, a igualdade entre homens e mulheres, a solidariedade entre as gerações e a protecção dos direitos da criança. A União promove a coesão económica, social e territorial, e a solidariedade entre os Estados-Membros.” Se os objectivos não levantam qualquer dúvida, o mesmo sucede com o disposto no artigo imediatamente seguinte, o art. 4º, nº3, terceiro parágrafo, onde o TL plasma que “Os Estados Membros facilitam à União o cumprimento da sua missão e abstêm-se de qualquer medida susceptível de pôr em perigo a realização dos objectivos da União”. Convém referir que estes artigos se inserem logo no capítulo primeiro do TL que consagra precisamente o conjunto das disposições comuns fundamentais, sobre as quais assenta toda a ação e atuação da UE e de todos os Estados-Membros (EM), sem excepção, que a compõe. O mesmo é dizer, o conjunto de disposições fundamentais, que definem a identidade da União Europeia, tidas desde sempre como inalienáveis, e relativamente às quais nenhum EM jamais gozou ou goza, direta ou indiretamente, de qualquer estatuto derrogatório.
É por isso que o acordo entre o R. Unido e a UE que, pasme-se, ou não, foi considerado justo por todos, abriu um precedente demasiado grave e potencialmente irreversível para que, não se questiona se será justo um acordo que em nome da aliena uma identidade comum tida como inalienável? Será justo um acordo que permite a um EM beneficiar de um estatuto cada vez mais especial e diferenciado perante os restantes EM? Será justo um acordo que apenas permita a um EM ser solidário na hora beneficiar, mas egoísta na hora ajudar e assumir a sua quota de responsabilidade política, económica e social de um projecto comum? É este acordo o reflexo da solidariedade entre EM que a UE consagra como um do seus objectivos basilares? É este um acordo que afirma a igualdade, a justiça, o combate às discriminações e à exclusão social que a UE elenca como premissas matriciais e inalienáveis da sua identidade?
É que quando a Europa considera justo abdicar, mesmo que parcialmente, da sua própria identidade, cedendo na condição fundamental da sua existência, uma união cada vez mais estreita entre os povos europeus, está a desistir de si própria e está a abrir a porta à ressurreição do fantasma negro da história. E mesmo que os seus líderes o queiram negar, o que importa ter consciência e saber preservar e perpetuar na memória colectiva europeia é que o que esteve na génese do projecto europeu e nunca pode, em momento algum, ser apagado e alienado da sua natureza e da sua identidade não são números, mas sim pessoas. Não são cenários e previsões, mas sim factos e realidades concretas. Não são interesses singulares, mas necessidades colectivas. Não são egos nacionalistas, mas solidariedades comunitárias.
E não deixa de ser, no mínimo irónico que a Europa que dos escombros da guerra e da morte se ergueu, graças à grandeza, à genialidade, à solidariedade e ao vanguardismo dos seus estadistas, nomeadamente o então Primeiro-Ministro britânico, se encontre, hoje, em vias de ruir, vendose reduzida ao egoísmo e à mediocridade e sordidez moral, intelectual e política dos seus atuais líderes, e de que o actual Primeiro-Ministro britânico é, porventura, o mais ignóbil exemplo.

Vasco Gonçalves 


domingo, 14 de fevereiro de 2016

Coerência ou incoerência? Eis a questão!

A incoerência de se pedir acordos incoerentes àqueles que foram afastados do governo por um ímpeto de poder pessoal, é deveras interessante e um caso de estudo.
António Costa diz-nos nesta semana, surpreendentemente, se é que haverá mais surpresas que ele possa criar, que gostaria de ter o PSD e o CDS como parceiros para “amplos acordos políticos”. Esta posição tenho que reconhecer é de um certo consenso político e de abertura e espírito democrático que é sempre de louvar em qualquer momento, ainda que não se tenha tido no passado.
Ora o Primeiro-ministro pede a ajuda do PSD e do CDS para acordos políticos, até aqui tudo bem, mas fá-lo de uma forma desprezível, dizendo que “é preciso respeitar um certo luto que a direita tem de fazer para se tornar um parceiro mais ativo”, como que numa posição de gozo por ter afastado, aqueles que ganharam as eleições do poder, estivessem a morrer ou a enlutar o poder que lhes foi retirado. A ideia de consensos até é boa, mas a frase seguinte, deita por água abaixo e deixa a nu que Costa só o disse para parecer bem… Aliás não poderia ser de outra forma, então não foi Costa que derrubou o governo do PSD e do CDS com 11 dias? Agora queria acordos com eles quando andou dias e dias a encontrar-se após 4 de outubro com os mesmos, mas parecia que desfilava numa passarela em que se mostra os vestidos e volta-se para trás com 2 segundos de fama e nada mais se quer.  
Agora faltava a resposta. E Passos Coelho lá a deu. O líder do PSD, que encontra-se um pouco apagado, e até de alguma forma escondido nos bastidores do partido, talvez para renovar a sua imagem perante o povo português, respondeu à incoerência de Costa, com alguma coerência. Dizendo que "não nos venham exigir, em nome do nosso sentido de responsabilidade, que apoiemos os programas que querem reverter tudo o que fizemos e culpar-nos de todo o mal que existe no país, isso não". Ora bem, Passos mostra posição de força e neste caso bem. O governo de António Costa está a desfazer o que Passos fez, como é que agora Passos iria acordar algo com António Costa? Era no mínimo caricato e mais uma vez incoerência. E dizer ainda que o governo não é suporto pelo PSD e CDS, mas sim pelo PS, BE, e CDU. Será este um início de piscar de olho à direita quando a esquerda faltar a Costa? Poderá ser, mas julgo que Costa quis sair bem na fotografia, para depois poder dizer: eu estava disponível, eles é que não. Ainda assim Passos, depois aproveitou a situação e saiu bem na fotografia também. Mostrando uma posição de força, de que “nós não deixamos cair as nossas bandeiras e princípios”.

Será isto tudo uma enorme incoerência? Ou será isto tudo uma coerente demonstração de força e de show politico para cativar votinhos aqui e ali? Julgo que será mais a segunda opção, ainda que ache que todo este espetáculo é claramente, também ele, uma grande incoerência… Porque quem cospe no prato dos outros, não pode vir agora pedir uma tigela de sopa quente. 

João Borralho

Criador do Lápis da Verdade


domingo, 7 de fevereiro de 2016

Vitórias por poucochinho

O povo socialista clama vitória em tudo, até dá aleluia aos céus, os bloquistas reclamam as vitórias para eles, os comunistas estão a ver que estão enfiados numa coisa de que do mal, o menos, e a direita assiste impávida e serena. É assim que os partidos reagem às últimas notícias e decisões tomadas pelo executivo a propósito do Orçamento de Estado, e, não só.
Comecemos por aí, o Orçamento de Estado para 2016, ou a bem dizer, só para alguns meses, é que com trocas e baldrocas de governo, já vamos em fevereiro e o assunto ainda agora começa a ser discutido. Bom, muito se disse, muito se escreveu, mas o Orçamento lá passou na Comissão Europeia, e claro, a esquerda clama uma vitória sobre a Europa da austeridade. Eu devo dizer que ouço isto com alguma piada e confesso que solto uma gargalhada. Um país que faz parte da União Europeia, tem acento legítimo na comunidade e nas suas instituições, como pode dizer que ganhou contra a Europa? Isto é alguma guerra? Mas curioso, é que é uma guerra em que Portugal joga dos dois lados, tanto faz parte do inimigo como do hipotético vencedor. É uma atitude que em nada eleva a política nacional, nem o debate público. Como é que um europeísta pode aceitar que se diga que Portugal ganhou à Europa fazendo parte dela? Só alguém que “joga” na política por vitórias por poucochinho poderia proferir tais palavras.
Continuando dentro do Orçamento, e agora sem todo o Show politico que existe à sua volta. A esquerda, mais uma vez anda com “o virar da página da austeridade” na lapela, e diz que este orçamento é um virar de página, sem austeridade e sem prejuízo e dificuldades para os portugueses. É mentira. Um orçamento que reduz umas coisinhas aqui, mas como diz o povo e bem, dá com uma mão e tira com a outra. Vejamos por exemplo o aumento das taxas e impostos sobre os condutores, e os combustíveis. Ora quem no seu perfeito juízo pode achar que se aumentarmos isto não é austeridade? Pode não ser um importo direto é verdade, mas o peso sobre o rendimento de cada português é bem grande, a maior parte dos portugueses precisa de um automóvel para se deslocar, ao fazê-lo terá um aumento nos seus combustíveis e imposto de circulação, ora digam-me lá se isto não é de facto um aumento de imposto ainda que indireto? E vejamos outro caso em concreto que a esquerda também clama vitória e canta glória aos sete ventos, o aumento de impostos sobre a banca. Sim aumenta-se os impostos sobre a banca, e um cidadão pensa “os bancos que paguem”, pois bem, não é bem assim, porque quem é que é o “consumidor” da banca? Os cidadãos. Ora, já sabemos que a taxa de utilização de cartões de crédito e débito aumenta, e quem é que paga esse aumento? Os utilizadores deste serviço que é grande parte do povo português em boa verdade.
Isto foram apenas dois exemplos práticos de como a ladainha do fim da austeridade é mentira, pode ser diferente, agora é “austeridade de esquerda”, mas não deixa de ser austeridade. Mas a esquerda lá clama vitória. Ora quem passa de “austeridade de direita” para “austeridade de esquerda”, só pode ser alguém que se contenta com vitórias por poucochinho…
E no ponto seguinte surge o hino deste governo “ palavra dada é palavra honrada”, ou pelo menos meia palavra, como já se viu no orçamento e como se vai ver no caso da reversão da privatização da TAP. Ora toda a gente diz aquele “hino” quase messiânico e profético, uma coisa quase cheia de carácter para quem não o teve o passado, pensará “este governo cumpre com a sua palavra”. Outra mentira, só cumpre com meia palavra. Em campanha eleitoral a esquerda prometia reverter a privatização da TAP em que a maioria do capital seria público, viemos a saber que afinal será metade, ora afinal a palavra foi honrada ou não? Em boa verdade podemos dizer que foi meia honrada, mas não foi na sua totalidade. Mais uma vitória por poucochinho….

Um governo cheio de vitórias que afinal não são vitórias, ou são vitórias por poucochinho, uma esquerda unida em fazer vitórias pequeninas e em derrotar a Comissão Europeia como se fosse um bicho papão, e ainda temos uma direita que aguarda serenamente novas eleições e prepara o terreno para as ganhar. Vitórias por poucochinho ou pesadas derrotas eleitorais é o que temos assistidos nos últimos meses para o lado da esquerda, creio que as vitórias por poucochinho serão quase uma ironia do destino. Como diz o povo e bem, pela boca morre o peixe… 

João Borralho

Criador do Lápis da Verdade


sábado, 6 de fevereiro de 2016

"Vitoriosos Derrotados ou Derrotados Vitoriosos?" por Vasco Gonçalves

Já dizia o reputado filósofo e economista Thomas Sowell que as exigências de orçamentos equilibrados têm mais tendência para produzir contabilidade criativa do que orçamentos genuinamente equilibrados. Ora se a criatividade, sobretudo quando associada a inovação, é um dos domínios mais valorizados neste novo mandato das instituições europeias, Bruxelas sabe igualmente de antemão, tal como Sowell, que a sua aplicação no domínio orçamental dificilmente trará bons resultados e, nesse sentido, não poderá ser valorizada. Com efeito, Bruxelas sabe também que é sempre preferível ter um orçamento criativo (entenda-se mau) do que não ter orçamento nenhum. Além do mais, tratando-se do primeiro orçamento da nova geringonça governativa lusitana e, sobretudo, de um orçamento que já deveria estar em vigor há mais de um mês, não seria muito difícil adivinhar que Bruxelas tudo faria para não partir a corda, tentando apenas estica-la até onde a lusitana geringonça deixasse. Afinal para triste e indecoroso espetáculo já nos chegaram e sobraram Tsipras e Varoufakis. Bem dito, bem feito.
António Costa, como ardil negociador nato que a fama lhe atribui, também o sabia, tal como sabia, com a mesma raposice que, após a derrota (vitoriosa) de 4 de Outubro, que a coligação PAF não dispunha de maioria parlamentar, que Cavaco não poderia convocar novas eleições e que o país não tinha ainda aprovado um orçamento para 2016. E foi assim que, tal como agora, uma tripla (in)feliz e (in)conveniente conjugação de factores, insignemente explorada, o leva novamente a poder clamar vitória quando todos já preparavam as suas exéquias orçamentais e apontavam, uma vez mais, o caminho da derrota como (mais do que) certo. Todavia, se Costa, ressuscitando um orçamento tido como um nado-morto, soube, uma vez mais insignemente, aproveitar a sabedoria de que em Bruxelas tudo se negoceia constantemente, ou não fosse a Construção Europeia, ela própria, um processo em permanente negociação e evolução, deverá saber também, ou não, que a fórmula da quadratura do círculo não é eterna, e que Portugal não dispõe, de momento, de margem de manobra política suficiente, nem na Comissão nem no Conselho, para manter o braço-de-ferro. Pelo menos enquanto não se conseguir formar uma sólida aliança de Estados-Membros que se unam e ajudem a aprofundar e refundar, não apenas os pressupostos da integração económica, como sobretudo os pilares da integração política europeia. Assim como a Europa, tal como a conhecemos com os seus defeitos e virtudes, não se fez de uma só vez, também não se refundará de uma assentada de hoje para amanhã, apenas e só porque surgiu no horizonte uma latina geringonça anti-austeridade.
Já dizia Molière que não somos responsáveis apenas pelo que fazemos, mas também pelo que deixamos de fazer. E quando se rejeita, e bem, a tese da TINA, renunciando à austeridade cega do empobrecimento colectivo, assente no corte definitivo dos rendimentos e num brutal e irracional aumento de impostos, a favor de um estimulo ao consumo e de uma austeridade mais sensível e compreensiva assente igualmente num aumento da carga fiscal, mas de forma racional e socialmente mais justa, demonstra-se que, de facto, com vontade política, há e haverá sempre alternativas. Todavia, fica igualmente comprovado que tanto uma como outra só podem ser a solução possível para quem, neste caso, jogando a sobrevivência não só da miscigenada geringonça, mas sobretudo dos seus fortes e sindicáveis interesses pessoais e corporativos que débil e desesperadamente a sustentam, se recusou e recusa, a todo e qualquer custo, a incluir, seja em que domínio for, a palavra reforma no léxico governativo. E essa (ir)responsabilidade, por muito que se disfarce, não pode ser sonegada. Resta saber qual o preço a pagar pela sua omissa assumpção e que a história dos últimos anos, mais cedo ou mais tarde, cruel e impiedosamente, nos virá cobrar.

Por ora, apesar do efectivo sucesso, ou não, deste orçamento só o porvir o poder vir dizer, em função daquilo que for a evolução dos principais indicadores económicos, vitória é a palavra de ordem que convictamente e efusivamente vociferam os “geringonços”. É tempo de folia. É carnaval, ninguém (para já) leva a mal. Quanto a nós resta-nos esperar que máscara não caia e que a cantada vitória orçamental sobre Bruxelas e sobre os abutres agoirentos da finança e do capital estrangeiro, no final não venha a seguir a mesma lógica eleitoral a que a geringonça e os seus fieis discípulos já nos habituaram, virando-se o feitiço contra o(s) feiticeiro(s). É que para quem hábil, desesperada e convenientemente transforma derrotas em vitórias, seguramente que não se importa, absolutamente nada, que todos os antecipados e erróneos derrotados de hoje se unam e venham, legitimamente por eventual força da razão e da realidade dos factos, a clamar a vitória final.

Vasco Gonçalves